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Foto do escritorEugênio Rego

Por favor, tirem as crianças da sala

Atualizado: 17 de dez. de 2020

Sou uma criança que cresceu na frente da televisão. Assistia de tudo. Tudo que meu pai deixava. Ele era melhor censor que o documento federal acompanhado da voz que dizia "este programa não é aconselhado para menores de 14 anos" (abaixo). Depois dele, seguia-se sempre um "vão se deitar". E lá íamos nós, eu e meus irmãos menores para a rede. Adivinha quem era o mais inconformado de todos? Sim! Eu mesmo...


É claro que desobedeci muitas vezes à Censura e às ordens de papai e a sentença de para não assistir filmes, séries e novelas não apropriadas para minha idade. Aos nove anos já tinha visto produções como "Conan, o Bárbaro", "A Volta do Monstro" e até àquela cena de "A Dama do Lotação" com Sônia Braga e Roberto Bonfim no bananal e a curra de um rapaz na carceragem de "Toda Nudez Será Castigada".


Minhas transgressões televisivas, claro, me causaram noites sem dormir e rejeição ao cinema brasileiro que julguei, por muito tempo, ser apenas um monte de filmes eróticos de mau gosto. Papai estava com a razão quando me mandava dormir. Ainda bem que ele nunca soube que li "O Exorcista" aos 14 anos - sim, fiquei muito perturbado com o enredo, principalmente por saber que era baseado em algo real.


As incursões infantis pelo fantástico e excitante mundo das produções audiovisuais e literaturas proibidas para menores foram mais incentivadas pela minha terrível curiosidade (aquário em escorpião dá nisso) do que a falta de acompanhamento parental. Isento a televisão de qualquer mal que tenha me causado. O problema nunca foi ela, sempre fui eu.


Já bem adulto me vi às voltas com uma pesquisa de mestrado sobre consumo de mídia por crianças de escola pública. Os resultados mostraram que praticamente todas elas tinham a televisão como única companheira, babá e professora e assistiam a todo tipo de programação, sempre sozinhas. Os pais ou responsáveis estavam trabalhando, ou não se importavam com o que elas assistiam, se novelas para adultos ou desenhos animados.


Fiquei me perguntando se o conteúdo televisivo lhes afetava e, ao mesmo tempo, lembrava que as crianças de hoje não são iguais àquela que fui. Tem acesso a uma enorme oferta de estímulos, muitos deles vindo dos meios de comunicação e usam computadores e celulares cada vez mais cedo de forma intuitiva - as multitelas se juntaram à TV no trabalho de pajear crianças e adolescentes.


Numa outra pesquisa de que participei ainda no mestrado, sobre o que jovens adolescentes pensam sobre o esporte MMA, muitos revelaram que repetem os golpes que veem nas lutas transmitidas pela televisão nas brincadeiras entre amigos. Alguns disseram que queriam ser lutadores para ganhar dinheiro e ficar famoso.


Estas são algumas das muitas apropriações que menores fazem ao consumir filmes, séries, novelas, jogos, desenhos animados e uma infinidade de produtos midiáticos. Não posso negar que a televisão exerceu boa influência em parte de minhas decisões profissionais e visão de mundo - virei jornalista e artista levado por muita coisa que vi na telinha.


O grande pesquisador mexicano Orozco Gomez diz que sempre negociamos com o conteúdo que lemos, ouvimos e assistimos nos meios de comunicação. Para ele as mídias não nos manipulam porque somos seres pensantes e temos vontades e opiniões próprias. Por outro lado, o teórico defende a cidadania midiática que é a preparação do indivíduo para consumir conteúdo midiático com responsabilidade e consciência.


Conhecer o trabalho de Orozco é importantíssimo para navegar nesse tempo em que cada vez mais terceirizamos nossas responsabilidades. Com cada vez menos tempo e vontade de interagir fisicamente com o outro - nossas crianças inclusas - é fácil delegar unicamente para as mídias o papel de entreter e educar. Nem mesmo a escola tem dado conta nesse último quesito ao longo dos séculos.


O grande problema da audiência midiática infanto juvenil jaz no fato de que pais e responsáveis esquecerem que TV, internet, rádio e impressos apresentam um recorte limitado e unilateral do mundo. Ainda cabe à família - seja ela de qualquer composição - mostrar que a vida é bem mais complexa e interessante do que um episódio de "Malhação". Nunca esqueci a fala de um aluno de ensino fundamental que me disse que seu sonho era crescer e virar bandido para a aparecer na televisão...

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